Há palavras na língua portuguesa cuja expressividade resulta da combinação do conteúdo semântico com a face fonética. Perplexo é uma delas. Pois foi assim que fiquei quando vi a capa do I de hoje.
A acreditar nas notícias – que isto da comunicação social obriga à dúvida metódica – o ME descobriu que as crianças do 8º ao 12º, de 1700 escolas, em pleno ano 2010, não sabem raciocinar nem escrever. Pelos visto houve uma equipa qualquer que em função dos teste intermédios e da performance dos nosso jovens tirou estas conclusões. Bem sei que convém sempre dar um carácter científico aos relatórios e apresentar valores numéricos e percentagens e linguagem muito científica, mas escusavam de tratar dados de quase dois milhares de estabelecimentos de ensino: eu, por metade do preço, fazia o mesmo relatório, até fazia melhor. É que este centra-se em dados obtidos em situações de avaliação formal e não traduz o aspecto mais etnográfico da observação quotidiana, que também é uma metodologia de investigação muito válida. Todos nós sabemos que os alunos quase não lêem literatura (mas lêem imenso no Messenger e no Facebook), que não pensam e que muitas vezes os nossos esforços para os levar a activar os neurónios são objecto de motins, que são incapazes de organizar o raciocínio, porque está mais ou menos desactivado, e que escrever é uma tarefa que consideram apenas adequada a entidades sobrenaturais – basta propor uma actividade de escrita com 80 palavras que temos o coro da desaprovação a pedir aulas mais apelativas, com TICs e PowerPoints e Quadros Interactivos e tal. O que o relatório não contempla é que os alunos são, actualmente, de uma pobreza vocabular atroz, que aos 16 anos desconhecem que um mago é um mágico, que têm de memorizar que a água pode ser encontrada no estado sólido, líquido e gasoso e que acham que Mussolini foi um jogador de futebol… Os tempos dos nossos jovens são outros e nós é que ainda não mudámos o paradigma escolar. Eu não posso pensar que um aluno de 13 anos, que passou a tarde do dia anterior a jogar ao Grand Theft Auto, ganhando bónus por atropelar peões na passadeira e destruir caixas multibanco, entenda um texto poético. O que eu posso esperar – e isto não diz o relatório – é a arrogância da juventude e da ignorância que me vai perguntar porque é que tem que estudar aquilo, que não tem interesse nenhum e não se percebe nada e raisparta o Camões!
A minha perplexidade não vem destas estranhas e bizarras novidades. É que ouvi, aqui há dias, que os nossos alunos sabiam mais matemática, liam melhor e não sei quê… E parece que era um estudo internacional muito fiável e que também tinha muitos números e muitos testes. E agora? O que é nacional é bom?