sábado, 26 de abril de 2014

Foi bonita a festa, pá


 Ontem fui para a festa. Vi alegria, vi revolta, vi fardas de militares e vi lágrimas nos olhos dos homens que cantavam a Grândola Vila Morena. Há 40 anos não pude entrar, mas, nos dias que correm, convém lembrar a revolução que mudou a vida dos portugueses. Mudou a minha, com toda a certeza. Tive acesso a uma educação democrática, que me permitiu desenvolver consciência social, crítica, política. Integrei os movimentos que quis, não integrei os que não quis, tive o direito de escolher a minha profissão e fugir aos estereótipos que a sociedade de março guardava para as mulheres. Aprendi a ler em liberdade, nunca conheci um país que fosse do Minho a Timor e nunca tive que ler livros às escondidas, ou de ouvir, na calada da noite, as emissoras revolucionárias. Às vezes penso se a minha personalidade divergente foi criada por abril, ou se viveria uma vida de clandestinidade, de resistência e de fuga, se a revolução dos cravos nunca tivesse ocorrido.
A nossa vida quotidiana corre de problema em problema, de emoção em emoção, e é fácil esquecer o tempo que escorreu entre a alegria inicial do "dia inteiro e limpo" e este início de milénio tecnológico e triste. Todos nós mudamos. Talvez todos nos devamos perguntar quem somos e se somos quem queríamos ser. É difícil ter ideais, hoje em dia, é difícil saber o que pensar. Olhamos para trás e tudo parece evidente, mas parecemos incapazes de construir o futuro. E temos que o fazer. Temos de fazer crescer as sementes que ainda estão no canto do nosso jardim.