quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Fiquei chocada

Toda a minha vida fiz praia em Gaia. Em dias de nevoeiro, em dias de sol infernal, em dias em que cai aquela chuva molha tolos. Já fui de comboio, de mota, de camionete, de carro. De boleia. Ainda me lembro das viagens épicas na carrinha de caixa aberta do Sr. João, com todos nós, miúdos, aos berros, sentados, enrolados nas toalhas, que aquilo fazia um frio... Em Francelos, em Miramar, na Madalena. Alturas houve em que era a primeira a chegar à praia e a última a ir embora. Recordo dias marítimos tão longos e ensolarados em que a noite parecia nunca acontecer. Parquímetros a funcionar nos meses de verão?! Para encorajar a rotatividade do estacionamento?! Junto à praia?! Alguém vai à praia por meia hora?? Entre portagens nas SCUTS e parquímetros para estender a toalha, acho que me vou mudar ali para a Lavra. Tem um bonito areal e até é mais perto. A malta de Gaia há de ir para Espinho. A gente orienta-se.
É a sina do portuga: orientar-se.

domingo, 20 de novembro de 2011

Fim do dia Atlântico


Reconheci-te

I
Reconheci-te logo destruída
Sem te poder olhar porque tu eras
O próprio coração da minha vida
E eu esperei-te em todas as esperas.

II
Conheci-te e vivi-te em cada deus
E do teu peso em mim é que eu fui triste
Sempre. Tu depois só me destruíste
Com os teus passos mais reais que os meus.

Sophia de Mello Breyner Andresen in Dia do Mar

sábado, 19 de novembro de 2011

O nosso mar

Neste dia, em que o sol, contra todas as previsões, não nos abandonou, uma visita crepuscular ao Atlântico. Vale sempre a pena.

Dei-te a solidão do dia inteiro.

Na praia deserta, brincando com a areia,

No silêncio que apenas quebrava a maré cheia

A gritar o seu eterno insulto,

Longamente esperei que o teu vulto

Rompesse o nevoeiro.


Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Dia medieval


Dias de levar a miudagem para fora da escola e tomar contato com o nosso património, percorrer as nossas maravilhosas vias rápidas, ganhar mais uns cabelos brancos e acentuar o tamanho das olheiras. Depois chegar a casa, com uma enxaqueca e descobrir que muito possivelmente se avizinha mais um corte no vencimento. Começa mesmo a ser tempo de ponderar até que ponto o nosso património realmente nos prende a este jardim à beira-mar plantado e se as nossas maravilhosas vias rápidas não serão de facto o melhor caminho para rapidamente nos pormos daqui para fora. Sopram ventos de fome, de peste e de guerra. Hoje como outrora. Talvez seja a Hora.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Dia de ir à praia

Dia de fazer uma pausa em tudo e passear pelas praias mais bonitas da Europa, ali, onde o sol bate nas águas. Maré morta. Gaivotas em terra e vento sul. Não vi procelárias, mas espero procelas.
Procelária

É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala

As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento

Por isso me parece a imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo.

Sophia de Mello Breyner