quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ricardo Reis, Sophia, Startrek e Schwarzenegger

Ricardo Reis, o heterónimo da ataraxia, propõe uma filosofia de vida assente na calma contemplação do fluir dos eventos, sem esforço nem perturbações, pois somos impotentes perante a passagem do tempo, “o deus atroz/ que os próprios filhos/ devora sempre”. Em sua homenagem escreveu Sophia um poema belíssimo, que na minha humilde opinião convida à vida e não à contemplação:

Não creias, Lídia que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo

Dual, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Sim, “Jamais se detém Kronos”, esse deus atroz. Não o podemos combater. Quando Kronos ainda não tinha avançado tanto, eu era fã do Startrek, não cheguei a ser trekkie, mas andava lá perto, com cumprimentos como o popular “live long and prosper” ou o célebre “ka’plah” klingon. OK, OK, talvez não seja assim tão célebre. Apesar de o meu entusiasmo trekkie ter diminuído, continuo a encontrar nos recantos da minha memória pequenas frases de filmes e de episódios que corroboram muitas das filosofias de vida de autores consagrados, o que, a meu ver, comprova que a série até era uma coisa de gabarito. Uma delas ficou-me sempre no ouvido: “time is the fire in which we burn”, tirada de um poema de Delmore Schwartz e dita por Soran, que tentava combater esse deus atroz, ainda que para tal tivesse que destruir tudo o que existe. Não o conseguiu, evidentemente, o Capitão Kirk derrotou-o e salvou o universo, embora tenha morrido para o fazer. Ironias.

É realmente lamentável que Kronos não se detenha, porque os seus efeitos são absolutamente devastadores. E embora não adiante lutar, como diz Sérgio Godinho:

Mas como se costuma dizer
tem que ser
porque parar, nunca
Ficar parado?
Antes o poço da morte
que tal sorte

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