Dou aulas a turmas de 12º ano há vários anos. Senti fortemente o peso da responsabilidade no primeiro ano em que o fiz, ainda por cima porque tinha turmas de Humanidades, o programa era vasto e era prova específica para muitos deles. Leccionei-o o melhor que pude, tentando desenvolver nos meus alunos uma série de competências que, a meu ver, os conduziriam ao sucesso. Foi uma época de muito trabalho e de múltiplas angústias, que acabou por dar frutos em termos de avaliação no Exame Nacional e no prosseguimento de estudos destes jovens. Agora, já formados, sei que alguns ficaram nas Universidades em que se formaram e muitos deles foram alunos de sucesso e estão em profissões e em cargos de difícil acesso.
Nesse ano, numa bela manhã de Verão em que dormia regaladamente, fui acordada pelo telefonema de uma amiga a dar-me os parabéns. Tinham sido criados os rankings e a minha escola era a melhor escola pública do país. Esta situação já se repetiu em mais do que uma ocasião, mas a minha perspectiva em relação à gestão do Programa do 12º e às capacidades que devo desenvolver nos meus alunos mudou.
Hoje em dia, a par do cumprimento dos vários conteúdos programáticos, pretendo, sobretudo, desenvolver as competências que permitam aos meus alunos ter sucesso nos Exames Nacionais. Não por causa dos rankings, isso não está na minha mente, mas sim porque as correcções de exame são catastróficas e, no meu entender, pouco fiáveis para a elaboração de uma seriação. Há dois anos redigi 23 pedidos de revisão da correcção de provas que foram todos atendidos (excepto um). As provas revistas chegavam a subir 4 valores, o único que não foi atendido desceu 2 décimas. Os correctores aplicam mal os critérios e, sobretudo, evidenciam uma formatação intelectual, por vezes, aflitiva, que descobri revoltada nesses 23 pedidos de revisão: os alunos que redigiam com maior sofisticação eram os mais penalizados e aqueles que seguiam as regras minimalistas de estruturação discursiva, porque não eram capazes de mais, obtinham a cotação máxima. Assim, promover o sucesso do aluno em Exame Nacional é tão simples quando seguir uma receita para fazer um bolo:
· Comecem por dizer…
· Iniciem o segundo parágrafo por “Assim, em primeiro lugar…” e depois “Exemplo disto é…”
· Comecem o terceiro parágrafo por “Por outro lado…” ou “Em segundo lugar…” e depois, “Pode apresentar-se, a propósito, o exemplo…”
· …
E este é, para mim, o meu principal problema, pois é isto que me obriga a dizer: “Meninos, em situação de exame não sejam criativos. Sigam as receitas.” Nas aulas não ouso espicaçar as competências destes jovens, pois receio o insucesso. Mas penso no futuro: realmente estes jovens vão ser brilhantes nos exames, mas isso fará deles cidadãos brilhantes? Este é o meu dilema e tentar encontrar a o caminho certo não tem sido fácil, pois ajudar a construir o futuro destes jovens passa por ajudar a aceder ao seu curso de eleição o que. de uma forma perversa, me limita a possibilidade contribuir para a construção de pessoas de futuro brilhante, uma vez que a solução é a formatação e o convite ao conformismo. Isto como se sabe, ou se desconfia, não ajuda a desenvolver um país de futuro.
1 comentário:
Parabéns pela sua coragem ao abordar este assunto.
Sou o pai de duas meninas que são disléxicas e é arrepiante constatar que os actuais professores ignoram esse facto de forma alarmante.
No entanto, foi a professora do 1º ano que detectou em primeiro lugar este facto.
Embora estas crianças não sejam protegidas por quem rege a Educação, era de elementar ética e de bom senso que os professores as não penalizassem por erros evidentes.
O nosso país está cheio de enormidades na Educação, mas ela serão resolvidas quando daqui a uns anos formos aglutinados por outro nação.
Ignoram que o maior factor de aglutinação e identidade nacional - a língua portuguesa - vai desaparecer e com ela, Portugal.
JB
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