...fomos ver o mar.
Os últimos tempos foram conturbados: para além de todos os trabalhos inerentes ao encerramento do período letivo, levámos com a PACC na nossa escola. Embora tudo decorra sempre em ambiente democrático, aceitamos as opções que todos tomamos - fazer greve, vigiar colegas - mas as greves e as opções começam a ser tantas que as pessoas começam a acumular ressentimentos. Dou aulas há quase 25 anos e estou cada vez mais cansada. De más decisões dos responsáveis, de dementes negociações sindicais, de turmas com quase 30 alunos em salas requalificadas para 20, no máximo 24, de programas irrealistas, de novos programas ainda mais irrealistas. Pela primeira vez na minha carreira começo a pensar que todo o meu desempenho é inglório, que não consigo ensinar os meus alunos a pensar ou a escrever, porque o programa da disciplina é de tal forma extenso que ou os ensino ou o cumpro. Talvez 5 ou 6 aprendam alguma coisa. O novo Programa para o Secundário é ainda pior. Que futuro estou a construir? Não sei bem e trabalhar com jovens com base num princípio de incerteza parece-me uma grande maldade.
Ao longo destas duas décadas já fui tutelada por uma grande quantidade de ministros da educação. Quase todos de má memória, que passam e deixam um caudal de destruição nas escolas. Nós vamos amortecendo este caos. Mas as escolas estão cada vez mais desqualificadas: os professores antigos, aqueles que ajudam a criar a personalidade de uma escola, pediram a reforma, já foram ou estão em vias de ir. Outros fazem contas aos valores da rescisão... Os novos não conhecem, não sabem, não estão aptos, têm saltado de escola em escola, trabalham em 3 ou 4 em simultâneo: uma turma aqui, duas acoli... Olho para alguns dos alunos da minha escola, conheço-os há 5, 6 anos, crescidos, homens e mulheres que conheço desde os tempos em que os "grandes" lhes passavam à frente na fila da cantina, quando ainda traziam skates em miniatura escondidos nas mochilas e tentavam brincar durante as aulas. Às vezes revejo os antigos, aqueles que já saíram, que já acabaram os mestrados, que estão em estágios não remunerados, que não têm emprego, que enfiam fundo as mãos nos bolsos e sorriem "que saudades das suas aulas, professora, dos poemas que nos lia, das histórias que contava...". Não tenho tempo, já não leio poemas fora do programa, cada vez menos proponho narrativas para ilustrar conceitos complexos. Os miúdos tentam acompanhar os trabalhos. Às vezes estão cansados, querem um minuto para eles, para terem uma pessoa à frente e não uma professora. Nós também estamos cansados, de lutas passadas, de lutas presentes, de lutas que se adivinham.
Não devia ser assim. Andamos todos muito longe dos caminhos que devíamos estar a trilhar.
Certezas? O mar é molhado e, às vezes, tem ondas...
1 comentário:
O problema dos nossos tempos é que o futuro já não é o que era - Paul Valéry
RN
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