terça-feira, 9 de agosto de 2011

Está bem, abelha...

Há doze anos que dou aulas na mesma escola, uma escola secundária de excelência, cujos alunos obtêm sempre no mínimo 2 valores acima da média nacional. Já levei centenas de alunos a exame e todos os anos todos os professores que leccionam o 12º ano de Português se queixam do pouco tempo para o cumprimento do Programa, que nos obriga - dependendo do número de feriados nacionais, municipais e greves - muitas vezes a dar aulas extra no final do ano lectivo. Já escrevemos a uma série de autoridades, tomadas como competentes, no sentido de ponderarem a alteração da carga horária do Português no Ensino Secundário e o desdobramento das turmas, para, por exemplo, se poder trabalhar em oficina de escrita ou dinamizar laboratórios de gramática, aspectos previstos nos Programas. Nada. Todos os anos é uma correria, uma angústia, pois o exame 639 serve de prova de ingresso para muitos miúdos. Estes senhores manifestam-se agora?! E ainda por cima, com os argumentos errados. ("testar todas as competências", "O facto de haver turmas com 28/30 alunos torna extremamente difícil treinar a oralidade e a escrita") E o facto de o Programa do Secundário ser uma coisa inqualificável? Foi pensado como um Programa de Língua, passou a um Programa de Língua, Literatura e Cultura e, na realidade, não é nada. O estudo da linguagem recobre aspectos pontuais de semântica (o aspecto, o tempo...) de pragmática (normas de cortesia, inferências...) e de linguística textual (coesão, coerência...). O estudo da literatura saltita por autores e eras, frequentemente tomados como pretexto para outras coisas: Vieira para o estudo do texto argumentativo, Camões lírico para o estudo da expressão dos sentimentos. Não se relacionam autores, épocas literárias, do nada aparece o estudo de "Frei Luís de Sousa", e eis que se fala de sebastianismo e tem que se falar do contexto da literatura romântica, dos nacionalismos... Um caos que tentamos organizar.
Em vez de sujeito a pensos rápidos, o estudo do português devia, claramente, ser bipartido e pensado de outra forma: de um lado a língua e do outro a literatura e a cultura. Os dois aspectos tocam-se? Ah pois tocam, mas, se calhar a maturidade e a mestria linguística ajudariam no entendimento da literatura, sem ser necessário estar a verificar os actos ilocutórios em "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio" ou o aspecto durativo em "e também as memórias gloriosas daqueles reis que foram dilatando a Fé"... Os alunos gostam? Nem por isso. É útil? Não. Não serve para nada, não aprendem língua e a literatura resume-se a um conjunto de dentadas em autores dispersos.
Mais tempo e menos alunos? Acho bem. Serve para alguma coisa? Para cumprir o Programa.
E desenganem-se se pensam que no Ensino Básico o aumento da carga horária é positivo:os Programas novos são maus e os professores de Língua Portuguesa são formados em Direito, Filosofia, História, Teologia... e outras especialidades que fazem com que estes senhores pensem que um verbo transitivo predicativo (ou seja, um verbo que tem um Predicativo de Complemento Directo), que qualquer aluno de 14 anos identifica, é uma coisa de outro mundo.

1 comentário:

Freusto disse...

Não diria melhor!!

Efetivamente o ensino do Português já deve ter tido melhores dias...

Os programas não são adequados, os professores têm lacunas, a carga horária é insuficiente!

Pena é, que os Srs. Ministros e a comandita não conheçam, verdadeiramente, o estado do ensino público em Portugal!

E os grandes prejudicados são os alunos....