domingo, 31 de janeiro de 2010

Verdes foram os campos

Para onde foram os Zéfiros perfumados? Porque é que nos verdes campos só há seca palha? Porque é que a poesia neste início de milénio é tão depressiva, deprimente e obscura? Os poetas já não se apaixonam, já não glosam o amor, já não sofrem o amor, sofrem o peso do cinismo urbano, glosam apenas a decadência ontológica e choram algo que ainda não percebi muito bem o que é. Eu não conheço muitos poetas contemporâneos e os poucos versos a que acedo resultam do facto de, por razões várias, lhes consultar os blogs. Contudo, embora até sejam umas pessoas agradáveis, não consigo sofrer a sua poesia:

ontem estive no inferno

sabes o que me assustou mais?

foi não ter dado por nada

ontem estive no inferno e não dei por nada porque o que existe lá é o mesmo que existe aqui

ontem estive no inferno e estive mesmo para te chamar

mas achei que não ias querer ver

não tinha nada de novo

e o novo que tinha não era mau o suficiente

(…)

in luto lento, de João Negreiros

(…)

Ao fim do pátio, onde a alma da casa termina, está

uma taça de granito. Bebedouro de pássaros nos meses

quentes, cobre-se de medronhos

pelos cálidos dias outonais do verão de São Martinho.

Em oferta, do áspero amarelo ao quente laranja,

no contraste da pedra o meio dia intensifica de brilho

.

cambiantes vermelhos – rosa vivíssimo e sangue

esmagado – o calor abre em ouro o corpo do fruto,

insectos despertam de um íntimo, longínquo mundo de

treva, como se subissem da mais antiga morte, da mais profunda vida.

José Miguel da Silva, Mãe-do-Fogo, Relógio d’Água, 2009


Ou do mais mediático Pedro Mexia


Duplo Império

Atravesso as pontes mas

(o que é incompreensível)

não atravesso os rios,

preso como uma seta

nos efeitos precários da vontade.

Apenas tenho esta contemplação

das copas das árvores

e dos seus prenúncios celestes,

mas não chego a desfazer

as flores brancas e amarelas

que se desprendem.

As estações não se conhecem,

como lhes fora ordenado,

mas tecem o duplo império

do amor e da obscuridade.

No fundo, toda esta gente sugere sempre que nunca se consegue aquilo que se consegue, que nada se conhece e que o mundo é um lugar muito mau, onde tudo é obscuro, vil e miserável e todos eles escrevem com uma obsessiva preocupação com o léxico. Assim não dá. Os grandes poetas são homens de expressão simples, que poetizam a condição humana de forma clara, que se voltam sobre si próprios e são capazes de universalizar os sentimentos que os individualizam. Hoje é tudo pomposo, forçado, um convite perpétuo ao sofrimento e à angústia. Pelo menos Cesário sabia que tinha “um absurdo desejo de sofrer”. Afastem de mim esse absurdo desejo e cantemos com a simplicidade de Camões

Verdes são os campos

Da cor do limão

Assim são os olhos

Do meu coração.


Os campos ainda não estão verdes, mas já faltou mais.


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