Para onde foram os Zéfiros perfumados? Porque é que nos verdes campos só há seca palha? Porque é que a poesia neste início de milénio é tão depressiva, deprimente e obscura? Os poetas já não se apaixonam, já não glosam o amor, já não sofrem o amor, sofrem o peso do cinismo urbano, glosam apenas a decadência ontológica e choram algo que ainda não percebi muito bem o que é. Eu não conheço muitos poetas contemporâneos e os poucos versos a que acedo resultam do facto de, por razões várias, lhes consultar os blogs. Contudo, embora até sejam umas pessoas agradáveis, não consigo sofrer a sua poesia:
ontem estive no inferno
sabes o que me assustou mais?
foi não ter dado por nada
ontem estive no inferno e não dei por nada porque o que existe lá é o mesmo que existe aqui
ontem estive no inferno e estive mesmo para te chamar
mas achei que não ias querer ver
e o novo que tinha não era mau o suficiente
(…)
(…)
Ao fim do pátio, onde a alma da casa termina, está
uma taça de granito. Bebedouro de pássaros nos meses
quentes, cobre-se de medronhos
pelos cálidos dias outonais do verão de São Martinho.
Em oferta, do áspero amarelo ao quente laranja,
no contraste da pedra o meio dia intensifica de brilho
.
cambiantes vermelhos – rosa vivíssimo e sangue
esmagado – o calor abre em ouro o corpo do fruto,
insectos despertam de um íntimo, longínquo mundo de
treva, como se subissem da mais antiga morte, da mais profunda vida.
José Miguel da Silva, Mãe-do-Fogo, Relógio d’Água, 2009
Ou do mais mediático Pedro Mexia
Duplo Império
Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.
No fundo, toda esta gente sugere sempre que nunca se consegue aquilo que se consegue, que nada se conhece e que o mundo é um lugar muito mau, onde tudo é obscuro, vil e miserável e todos eles escrevem com uma obsessiva preocupação com o léxico. Assim não dá. Os grandes poetas são homens de expressão simples, que poetizam a condição humana de forma clara, que se voltam sobre si próprios e são capazes de universalizar os sentimentos que os individualizam. Hoje é tudo pomposo, forçado, um convite perpétuo ao sofrimento e à angústia. Pelo menos Cesário sabia que tinha “um absurdo desejo de sofrer”. Afastem de mim esse absurdo desejo e cantemos com a simplicidade de Camões
Verdes são os campos
Da cor do limão
Assim são os olhos
Do meu coração.
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