segunda-feira, 23 de março de 2009

Coisas poéticas, mas tristes


Requiem por um cão

Cão que matinalmente farejavas a calçada 
as ervas os calhaus os seixos e os paralelipípedos 
os restos de comida os restos de manhã 
a chuva antes caída e convertida numa como que auréola da terra 
cão que isso farejavas cão que nada disso já farejas 
Foi um segundo súbito e ficaste ensanduichado 
esborrachado comprimido e reduzido 
debaixo do rodado imperturbável do pesado camião 
Que tinhas que não tens diz-mo ou ladra-mo 
ou utiliza então qualquer moderno meio de comunicação 
diz-me lá cão que faísca fugiu do teu olhar 
que falta nesse corpo afinal o mesmo corpo 
só que embalado ou liofilizado? 
Eras vivo e morreste nada mais teus donos 
se é que os tinhas sempre que de ti falavam 
falavam no presente falam no passado agora 
Mudou alguma coisa de um momento para o outro 
coisa sem importância de maior para quem passa 
indiferente até ao halo da manhã de pensamento posto 
em coisas práticas em coisas próximas 
Cão que morreste tão caninamente 
cão que morreste e me fazes pensar parar até 
que o polícia me diz que siga em frente 

Que se passou então? um simples cão que era e já não é 

Ruy Belo

  

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