quinta-feira, 11 de março de 2010

Bolonha, ou como uma boa ideia pode resultar num pesadelo


Li há pouco aqui que os principais envolvidos no processo de Bolonha estavam unânimente contra ele. Embora nas suas origens a Declaração de Bolonha tivesse mui nobres objectivos, na medida em que visava criar uma espécie de "Academia Europeia", um espaço comum em que o Ensino Superior fosse passível de ser partilhado por todos e, consequentemente, proporcionasse a mobilidade entre as várias Universidades da Europa, a verdade é que desde o minuto que foi implementado, todos nós nos questionámos sobre a sua validade. De facto, grande parte das transformações que este novo modelo exigiu passaram pela alteração de currículos, devido, essencialmente, à lógica inerente à ideia de Ciclo e de Unidades de Crédito que é necessário possuir para se obter aprovação nos diversos ciclos. Assim, uma Licenciatura passou a ter a duração de 3 anos, um Mestrado 2 e um Doutoramento 3. Sem considerar todas as situações de injustiça a que estão submetidos os antigos estudantes que demoraram 5 anos para obter uma licenciatura, a situação é de tal forma caricata que o Estágio Pedagógico que os imberbes alunos realizam no seu 5º ano de Faculdade corresponde a um Mestrado, sendo que a Tese a ser defendida no seu final é uma espécie de fusão entre um relatório de trabalho e uma pequena experiência pedagógica, com cerca de 50 páginas. Cada vez se lhes pede menos e os estudantes cada vez acham a vida mais difícil e queixam-se interminavelmente que têm muito trabalho. Esta gente vive à custa dos pais até à terceira idade, não porque haja poucas oportunidades, mas porque aquilo que se lhes oferece para início de vida exige que trabalhem de facto, e estas são as oportunidades que eles não querem. Se tudo sempre lhes caiu no colo, porque hão-de agora desenvolver algum tipo de esforço para que as coisas lhes venham para ao mesmo colo? Não faz sentido.
Nos momentos de crise ontológica por que vou passando ao longo de todos os anos lectivos vou ponderando sobre o meu futuro enquanto ser humano. Os alunos do Secundário que me saem das mão terão obrigatoriamente que saber ler e escrever, por enquanto ainda não abdiquei disso, mas o que constato é que são cada vez mais incapazes de pensar e cada vez menos autónomos. Vão sabendo o que se passa: "Coitadinho do Leandro!", "Ai aquilo na Madeira! Que horror, setora!", mas não são capazes, de uma forma genérica, de reflectir sobre essas coisas. Acedem ao Ensino Superior para - entre uma cerveja e um cortejo académico - decorarem umas coisas ou cabularem nos Exames e de lá saírem, ao cabo de 3 anos, que - com todas as férias e suspensões de actividades para avaliações - vão efectivamente pouco além de ano e meio de trabalho. Sim, sim, já fiz a pesquisa. Depois a gente apanha estes Drs. ao balcão da Zon, nas caixas dos hipermercados, a fazer inquéritos à nossa porta. Ou, horror dos horrores!, como o nosso futuro médico de família! Ou o professor dos nossos filhos!!!!! Ou o veterinário do nosso animalzinho de estimação!!!!! E este é um futuro dantesco. Eu sei que o mundo atravessa uma crise que parece interminável, também sei que há misérias e horrores no mundo que ultrapassam estas pequenas crises pessoais, mas de uma forma algo idealista sempre acreditei que as gerações mais antigas deviam preparar as novas para as superarem e não é isso o que vejo. E assim antevejo não um Quinto Império de glória mas um futuro de miséria espiritual e de crise de valores, que me leva a ponderar seriamente a hipótese de fundar uma herdade comunitária, de acesso restrito a quem saiba pensar.